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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Foi Deus



Allan McLeod
     
     Algumas semanas atrás, passei por um campo de soja. Assustado, percebia, de quando em quando, fileiras inteiras de plantas amassadas pelos pneus de um trator. Então me dei conta de que o fazendeiro devia ter passado veneno ou adubo, e que aquela prática, que visava à preservação do todo, exigira o sacrifício de uma porcentagem da plantação.
     Na época, eu estava estudando o livro de Gênesis e sentindo um forte impacto devido aos “tratos” de Deus na vida de José. Logo me veio à mente a situação dele, e as semelhanças entre o tratamento dele e o da soja. Para que a família de José fosse salva da fome e possível morte, foram necessários o sacrifício e o sofrimento de um dos membros. No caso, o escolhido foi José, não pelos irmãos, que queriam vê-lo morto, mas por um Deus soberano e amoroso, que tinha um propósito de dimensões eternas em sua atuação no caso.
     Aos olhos humanos, parece um tratamento desnaturado, que um Deus de amor nunca permitiria. Se era preciso enviar alguém ao Egito para se tornar governador do país e salvar a família de Jacó, que ao menos o rapaz fosse de primeira classe!
     Mas os pensamentos e os caminhos de Deus são tão mais altos que os nossos, que se torna extremamente difícil compreender e aceitar a atuação dele em nossa vida. O evangelho de boa vida que se prega hoje não admite perdas, problemas e desgraças. Como entender, então, que no reino de Deus temos de descer para subir, morrer para viver, perder para ganhar? Pode Deus ser o autor de sofrimento e angústia? Sim, pode. Foi ele quem arquitetou o envio do próprio Filho ao mundo para sofrer e morrer, a fim de nos livrar do pecado e da morte eterna.
     No caso de José, cada particularidade daqueles acontecimentos foi cuidadosamente planejada e executada por Deus. Ele permitiu que José fosse o filho preferido do pai, e que recebesse um tratamento diferenciado dos demais filhos, resultando numa avalancha de sentimentos negativos da parte dos ir-mãos. Foi Deus quem lhe deu dois sonhos, e os usou para produzir um clima carregado de ciúmes e ódio. Foi Deus quem, mesmo sabendo do intento dos irmãos de matar José, incentivou o pai a enviá-lo a Siquém para ver se eles iam bem. Foi Deus quem fez passar a caravana dos ismaelitas por aquele caminho. Foi Deus quem coordenou a ida dos irmãos a Dotã, e a chegada de José logo antes de passar os ismaelitas. Foi Deus quem permitiu que o diabo tramasse todo aquele enredo maléfico que resultou na venda de José como escravo por vinte siclos de prata. Mesmo o tempo que José andou errante pelo campo em Siquém permitiu que ele chegasse na hora certa, para que estivesse “à disposição” dos irmãos no momento em que os ismaelitas passaram.
     Foi tudo isso uma trama diabólica, ou uma ação divina? Creio que foram as duas coisas. Mesmo a malevolência do diabo está debaixo do controle da soberania de Deus, e serve aos propósitos dele na vida daqueles que o amam.
     Jesus, para ser Salvador e Senhor, submeteu-se à vontade do Pai. Essa vontade incluiu a rejeição dos judeus, as tentações e ciladas do diabo, a privação dos confortos humanos e sua crucificação como criminoso. Sofrimento do pior gênero, programado e levado a efeito por um Pai de amor.
     Não existe nenhum conflito entre a soberania de Deus e o seu amor. O amor divino se manifesta no meio de suas ações soberanas em nossa vida, dando-nos a graça necessária para suportar as privações e sofrimentos que ele determina para o nosso bem.
     Não é fácil aceitar essa ação conjunta de soberania e amor. Temos aversão ao sofrimento e reagimos quando a ele somos submetidos.
     No meu caso, Deus usou a meditação na história de José para me levar ao reconhecimento de que ainda guardava no coração uma birra contra o Senhor, por causa de situações do meu passado, que eu considerava desnecessárias e prejudiciais.
     Meu pai era militar, um homem troncudo, forte e determinado. Eu, um menino magrelo e tímido. Ele não tinha tempo para mim, e eu achava que a falta de atenção fosse por causa da minha pequenez. Para complicar mais a situação, a cada dois anos o exército canadense deslocava a nossa família para um lugar novo. Como adolescente, a dificuldade que eu tinha de arrumar novos amigos e penetrar as panelinhas existentes nas escolas constituía uma barreira quase intransponível. Sentia-me rejeitado pelo pai e isolado da maioria dos colegas nas escolas onde estudava.
     Acabei rejeitando a mim mesmo, achando que não prestava, e que era menos homem que os demais garotos. Como adulto, consegui superar, em parte, esse complexo de rejeição e inferioridade. Mas, como o ratinho nojento que aparece em casa quando   a gente menos espera, e que não se consegue matar, esse mal conturbava a minha vida e complicava meus relacionamentos.
     Tinha experimentado o novo nascimento aos oito anos de idade, e a convivência com a igreja e os ensinamentos bíblicos me dava um pouco mais de firmeza. Mas os anos se passavam, e o problema persistia. Passei a culpar Deus pelos acontecimentos do passado e pelos sentimentos negativos. Achei que ele, o Todo-Poderoso, poderia e deveria ter me livrado de tudo aquilo, e eu reclamava sempre dessa “falta de amor e cuidado”.
      Fiz seminário, casei-me e trabalho há mais de quarenta anos como missionário no Brasil, como diretor e professor de seminário, como pastor e conselheiro. Já li o livro de Gênesis dezenas de vezes e fiz vários estudos sobre a vida de José. Mas só agora meus olhos foram abertos para enxergar a maneira carinhosa como Deus agiu na vida de José e na de sua família, e como agiu e ainda age na minha vida.
      Tive de repensar todo o meu passado, e reconhecer que a atuação de Deus em minha vida era amorosa e soberana em todas as horas, tanto nas tristes quanto nas alegres. Clamei a ele por misericórdia, pois o havia julgado injusto, incompetente e responsável pelos sentimentos de rejeição e inferioridade que eu abrigava no coração.
      O Senhor, graciosamente, concedeu-me arrependimento profundo, e purificou minha alma de todas aquelas mágoas e reclamações. Então, me deu uma nova visão de seu propósito maravilhoso para minha vida. Isso me trouxe descanso e a certeza de que Deus sabe o que faz, e tudo que permite acontecer em nossa vida é para o nosso bem eterno e para a glória dele.
     José passou longos anos separados do pai e da família. Foi escravizado, tentado, traído, encarcerado e esquecido, mas a Bíblia não registra nenhuma palavra de reclamação. No meio de todo aquele sofrimento, nunca duvidou do amor e do propósito de Deus, mesmo não podendo entender o porquê de tudo. Quando, afinal, ele se revelou aos irmãos, confessou-lhes o segredo de sua vitória: “Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como governador em toda a terra do Egito” (Gênesis 45.7,8).
     Foi Deus! E ainda hoje, é Deus! Ele atua como precisa, em nossa vida, muitas vezes sem explicações, nos preparando e capacitando para reinar com ele por toda a eternidade. Um dia vamos entender o porquê de tudo. Hoje, em todas as circunstâncias, assim como José, precisamos confiar e descansar, crendo que esse Deus justo e carinhoso está no controle de tudo o que acontece, no Universo e em nossa vida. Se for preciso que eu sofra, para que a minha própria alma seja salva do egoísmo e pecado, ou para que outras pessoas sejam salvas e preparadas para o céu, que seja feita a vontade de Deus, e não a minha. Ele, como bom agricultor, poda todos os ramos enxertados na Videira para que produzam muito fruto.
     Que ele nos conceda a graça de viver acreditando nessa soberania amo-rosa, que tudo permite visando à santificação da nossa vida, pois só assim será glorificado o nome que está acima de todos os nomes.
     Passei outro dia pelo mesmo campo de soja. As plantas estavam bonitas, crescidas e viçosas. Mas vi também as outras, amassadas pelos pneus do trator, evidência do sacrifício que salvou a plantação.

O Pr. Allan H. McLeod é professor e capelão do Seminário e Instituto Bíblico Betânia , em Altônia, PR.

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